Uma guerra, que vem se alastrando ao longo de anos entre duas facções criminosas, tem aterrorizado moradores do Bairro do João Paulo e comunidades adjacentes. Segundo a população, que vive amedrontada e denuncia os fatos de forma anônima, por temer represálias, pelo menos 20 pessoas já foram assassinadas, em dois anos, só naquela região, em razão do ódio nutrido entre as duas gangues.
De acordo com os moradores, uma das facções é integrada por criminosos da Aldeia, do Calçadão do João Paulo, do Coroado e da Cidade Operária; a outra, por sua vez, é composta por pessoas da Rua da Vala do João Paulo, Rua da Vala da Alemanha, Rua do Peixe da Alemanha e do Barreto. Os envolvidos, segundo os denunciantes, teriam participação no tráfico de drogas e com assaltos, mas são unidos ou divididos pelo ódio e vingança que possuem em comum, um pelos outros. 'Toda semana, sem exceção, acontece um tiroteio nessa área. Esse problema já existe há mais de 10 anos, mas tem se agravado de dois anos para cá. A disputa acontece entre eles para ver quem manda mais e mata mais', revelou um dos moradores do bairro, que não quis ser identificado.
No João Paulo existe um posto da Polícia Militar, instalado na Praça Duque de Caxias. Entretanto, segundo a comunidade, ele está localizado em uma área que não é considerada o foco da violência. Em relato, os populares afirmaram que fizeram um abaixo-assinado, solicitando o funcionamento de um posto policial na área do Calçadão, considerada a mais crítica do bairro, mas o governo do Estado teria alegado que já havia um posto instalado na Duque de Caxias. 'Aquele posto serve apenas para proteger a agência bancária que fica perto. A incidência de violência do bairro é no Calçadão do João Paulo, um ponto de cultura que vem sendo disseminado pela violência', desabafou um morador, revelando ainda que, para ter um mínimo de proteção, os moradores são obrigados a pagar do próprio bolso para policiais militares fazerem a vigilância no local e os comerciantes a se trancarem em seus estabelecimentos, protegidos por grades.
Ficha criminosa – Puxando pela memória, os moradores conseguiram enumerar pelo menos 20 casos de assassinatos ocorridos nos últimos meses só naquela região, detalhando um jogo complexo de rivalidades entre os integrantes das facções. O primeiro deles teria acontecido a cerca de dois anos. Um homem identificado apenas como Cristian teria sido assassinado por integrantes de um dos bandos, moradores da Rua do Peixe.
Em meados de 2011, um homem identificado como Fabrício foi morto no Calçadão do João Paulo. O autor do crime, Mário, também conhecido como 'Psicopata', era morador da Aldeia. Logo depois, no dia de São Marçal, 30 de junho, um brincante do boi do Iguaíba foi morto, em pleno Viva do João Paulo, por dois comparsas conhecidos como 'Puçuca' (José Ferreira Azevedo) e 'Golfe'.
'Golf', segundo os denunciantes, teria matado naquela mesma semana mais duas pessoas. 'Puçuca', por sua vez, foi morto no último dia 20, por Júlio César e 'Buiú', ambos moradores da Rua do Peixe. Ao atirar contra 'Puçuca', os dois feriram por engano 'Mudinho', irmão de 'Raf', também integrante da mesma facção. Mudinho, segundo a comunidade, não possui envolvimento com o crime e está internado no Hospital Municipal Djalma Marques (Socorrão 1). 'No dia do enterro de Puçuca, seus comparsas estavam todos armados de pistola. Ligamos várias vezes para o 190, denunciamos e nada foi feito', revelou uma dona de casa.
Segundo os moradores, Júlio César teria se banhado com o sangue do próprio irmão, quando ele foi morto no ano passado por integrantes da gangue rival. Na ocasião, Júlio teria jurado matar Fefé, Maurício, Golf, Amarelinho, e Feio (mesmo grupo), para vingar a morte do irmão.
Outro assassinato foi o de um homem identificado como Júnior, na porta da Turma de Mangueira. A vítima seria usuária de drogas e teria sido executada pelos traficantes conhecidos como Buiú e Lastefânio, ambos moradores da Rua do Peixe.
Márcio César Dias Boas, conhecido como 'Magal', morador da Ivar Saldanha, foi morto na Estrada da Vitória, também chamada de Rua da Bosta, próximo ao Calçadão do João Paulo, por um homem identificado como 'Raf', morador da Rua da Vala, no mesmo bairro, que estava acompanhado de mais três comparsas em um carro prata, sem placa.
Segundo os moradores, 'Raf' é filho do policial 'Dico', pertencente ao Batalhão do Meio Ambiente que acobertaria as ações do filho. 'Raf' também é apontado como sendo o responsável por vários tiroteios na região, atingindo inclusive as residências de populares. 'Esse Raf é considerado o terror da Rua da Vala. Quando era criança, Magal bateu no rosto dele com uma chinela, e, desde essa época, Raf dizia que quando crescesse iria matá-lo, tal como aconteceu. No dia do crime, Magal estava acompanhado da namorada. Ele a protegeu para que nenhum tiro lhe pegasse, e, por isso, morreu', revelou uma senhora.
'Isis', morador da Rua do Peixe foi morto, neste mês, na rua onde morava, por um homem de primeiro nome Rodrigo, conhecido como 'Golf', que é filho da doutora Maria Isabel; por 'Feio', morador da Rua Santa Izabel, e por 'Marcos Doido', dono de um Peugeot preto, relatado por testemunhas como sendo o veículo usado em várias execuções. Marcos Doido também seria membro da facção do Calçadão e acusado de matar uma pessoa, ao lado do Elevado Alcione Nazaré.
Além desses casos, os moradores do João Paulo também relataram a existência de mais dois homicídios de autoria das gangues, ocorridos na Rua da Vala. Outros dois assassinatos, um na frente da farmácia Big Ben e outro na frente do Supermercado Matheus, ambos no João Paulo, foram enumerados. 'Quando um dos rivais é morto, a facção responsável pelo crime comemora tocando foguetes', revelaram.
Conforme o relato dos moradores, em muitos dos tiroteios, pessoas trabalhadoras, que nada tem a ver com o conflito, já teriam sido vítimas da guerra entre os criminosos. 'Maurício' e 'Feio' (pertencentes à gangue do Calçadão), teriam atingido um padeiro em seu estabelecimento comercial, durante um tiroteio. 'Por sorte, o tiro pegou de raspão e o padeiro não morreu', completou um popular.
'Feio' também teria tentado matar um homem identificado como Adriano, na Rua São Vicente de Paula. 'Feio' e 'Fefé' seriam os fornecedores de armas e drogas para o 'Calçadão'. 'Eles usam armas de calibre restrito da polícia, tal como mine metralhadora e pistolas ponto 40. Revólver [calibre] 38 já é uma arma leve perto do arsenal que possuem', revelou um comerciante da área.
De acordo com as denúncias, a maioria dos crimes de homicídios e de tentativas de assassinatos não possui nem mesmo inquérito policial instaurado, e, a cada dia, outros novos vão acontecendo, na certeza da impunidade por parte dos bandidos. 'Os integrantes da facção do Calçadão, por exemplo, dormem durante o dia e, ao final da tarde, se reúnem em um campinho de futebol, no final da Avenida Mauro Bezerra, onde tramam as mortes. À noite, sob efeito das drogas, começam a praticar os crimes. Eles, que são os bandidos, e nós, as pessoas de bem, somos obrigados a viver trancados em nossas próprias casas, tendo que arcar com qualquer medida possível que nos ajude em nossa segurança', afirmou um trabalhador autônomo do local.
O que dizem as polícias – O comandante do 9° Batalhão da Polícia Militar (BPM), major Raimundo Andrade de Aguiar, afirmou que a população tem razão em reclamar da violência no João Paulo. Em resposta ao índice de criminalidade na região, ele afirmou que foram efetivadas ações naquela área, dia e noite; assim como também foi determinado o tenente Davi para ficar encarregado de controlar o seu policiamento.
Em relação ao pedido de instalação de um posto policial na área do Calçadão do João Paulo, o comandante garantiu que a solicitação já está sendo analisada. Segundo o major, assim que o Comando receber um reforço no efetivo, diante da realização de concurso público pelo governo do Estado, será criado mais um posto policial no bairro, sendo destinado à área reivindicada. 'Na última semana, conseguimos manter um pouco a tranquilidade e nada grave foi registrado. Apreendemos apenas três armas de fogo', declarou major Andrade.
O superintendente de Polícia Civil da Capital, delegado Sebastião Uchoa, negou a afirmativa da população em relação aos inquéritos policiais, garantindo a sua existência em todos os casos de homicídios. Segundo o delegado, alguns ainda não foram concluídos e outros estão com autorias definidas e já foram até remetidos para a Justiça, com pedido de prisões. 'O problema é que a população não entende como funciona a dinâmica da investigação. A Polícia Civil investiga para prender e não prende para investigar, pois assim estaríamos invertendo o estado democrático de direito. Nosso trabalho é diferente do da Polícia Militar, que tem ação imediata de prevenção e repressão', esclareceu o superintendente.
O delegado Antônio de Lima Paulino, lotado no 2° Distrito Policial, no João Paulo, explicou que alguns dos casos investigados demoram a ser solucionados porque a população se recusa a comparecer à delegacia para testemunhar, temendo sofrer represálias. 'Se as pessoas não tiverem consciência que precisam comparecer ao DP para testemunhar, o trabalho fica difícil. Nosso grande problema é que não há provas testemunhais e o resultado do trabalho pode acabar sendo em vão, quando chegar à Justiça e não forem constatados elementos suficientes que comprovem as autorias dos crimes pelas pessoas colocadas como suspeitas', explicou Antônio Paulino.
O delegado afirmou que os homicídios na região estão, realmente, ligados a disputas e ações de bandos rivais. 'Posso garantir que os crimes, de meados de 2011 até agora, possuem, sim, inquéritos policias. Em relação aos mais antigos, precisaria fazer um levantamento. Os de 2012 se não estiverem em um inquérito isolado, estão no inquérito de bando', garantiu Antônio Paulino.
Membros das gangues e os locais onde residem
Calçadão do João Paulo – Golf, Maurício, Fefé, Feio, Amarelinho, Márcio, Marco Doido, Leleco e Lucas
Rua do Peixe – Buiú, Lastefânio e Júlio César
Rua da Vala – Raf, Bral, Trek, Louro e João Vitor
Aldeia – Mário, Louro (recentemente matou uma pessoa no Coroado), Maurício, também conhecido como Pimpolho (matou, na Aldeia, Soldadinho, Negão e um caixeiro).
Pelo menos 20 pessoas foram mortas nos últimos dois anos.
POR GABRIELA SARAIVA
Fonte: JP