Cem dias de governo Flávio Dino.
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No dia em que completou 100 dias à frente do governo do estado, o
governador Flávio Dino apresentou, para toda a sociedade, o resultado
das principais ações desenvolvidas para melhorar os indicadores
sócio-econômicos e promover justiça social no Maranhão. A apresentação
foi realizada em coletiva de imprensa, ontem (10), no Palácio La Rocque.
O governador do Maranhão, Flávio Dino, concedeu entrevista ao Portal Brasil 247 e avaliou os 100 primeiros dias de gestão. Dino comentou a
situação herdada dos 50 anos de domínio político do grupo Sarney e
explicou como está preparando as ações que, segundo ele tirarão o
Maranhão do domínio de poucos para um governo de todos.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Aos 47 anos de idade, o
governador Flávio Dino, do Maranhão, foi um dos heróis estaduais do
pleito de 2014. Não só conseguiu derrotar a família Sarney em domínios
de estilo coronelismo feudal num dos mais pobres estados brasileiros,
mas também foi o primeiro candidato filiado abertamente a um Partido
Comunista a assumir um governo de Estado. Dias antes da passagem dos
primeiros 100 dias sem José Sarney, figura que dominou a política do
Maranhão de forma absoluta a partir de 1965, quando se tornou governador
de Estado – três anos antes do próprio Flávio Dino nascer –, ele
recebeu o 247 para a entrevista que você pode ler abaixo.
Líder estudantil na faculdade
de Direito em São Luiz, juiz federal por 14 anos, dedicado à política há
apenas oito, Flávio Dino fala sobre José Sarney e a herança deixada
pelo governo de sua filha, Roseana, que incluía uma reserva de R$ 24
milhões em caixa contra uma dívida de R$ 1 bilhão. Ele denuncia que as
empresas de comunicação da família Sarney recebiam 78% de toda a
publicidade legal do Estado: “eles pagavam de um lado e recebiam de
outro.” Flávio Dino também fala do rumo de seu governo, definindo-se
como um heterodoxo, que está redirecionando gastos “para qualificar o
serviço público” e responder a demanda popular por um Estado com
serviços de qualidade. Aliado leal do governo Dilma Rousseff, acha que o
ajuste econômico precisa ser aprimorado com medidas dirigida aos ganhos
dos mais ricos, como o imposto sobre grandes fortunas. “Sem essas medidas, o ajuste ficou desbalanceado, gerando
um mal estar entre quem votou em Dilma no segundo turno,” diz.
Examinando a situação atual, o governador se diz preocupado em fazer o
possível para impedir uma “recessão, que pode levar a uma depreciação da
base de sustentação do governo.” Sua entrevista:
247 – Como o Maranhão atravessou os primeiros 100 dias sem a família Sarney?
FLÁVIO DINO –
Eu acho que a população está percebendo que não vamos fazer milagres –
nem prometemos isso – mas que estamos caminhando para cumprir o programa
de governo. Costumo dizer que há uma dualidade no Maranhão: um governo
de poucos para poucos e um governo de todos para todos. Essa é a mudança
que precisamos fazer, avançando uma política de universalização de
direitos. O legado nefasto do sarneysismo foi uma política de proteção
para amigos, para famílias de amigos e para eles próprios.
247 – O senhor venceu
as eleições com uma frente que incluiu todos adversários da família
Sarney. É possível governar com tanta gente?
FLÁVIO DINO –
Temos um governo formado por dez partidos. Meu vice é do PSDB, que tem
duas secretarias. O PT, que não assumiu minha campanha abertamente, mas
também não fez campanha para o Sarney, também tem duas secretarias. O
convívio entre todos é bom, são aliados e até amigos. É claro que existe
a questão federal, na qual nem todos estão de acordo mas o desmonte do
padrão oligárquico acaba tendo prioridade.
247 – Como esse padrão oligárquico se traduz na vida de cada dia?
FLÁVIO DINO –
Vou dar um exemplo a partir dos gastos de publicidade do governo de
Estado. Se você pegar os gastos de publicidade legal, que são aqueles
pequenos anúncios publicados nos jornais, com editais, concursos, e
outros atos oficiais, descobre que 78% eram dirigidos para empresas da
família Sarney.
247 – Setenta e oito por cento?
FLÁVIO DINO –
Sim. Estou falando de um caso. Eles pagavam de um lado e recebiam do
outro. As obras públicas eram dirigidas para empresas protegidas.
Concurso público era uma raridade. Tudo era terceirizado, dirigido para
empresas próximas. Há também um exemplo na área de saúde. Eles gastaram
R$ 800 milhões com uma Ocipe e uma OS contratadas sem concurso. Nós
resolvemos fazer licitações, divulgada
em jornais do país inteiro. Apareceram 40 interessados. Agora, ficaram
sete na disputa. Eles esperneiam, dizem que nosso edital tem defeitos.
Mas não fizeram nem isso.
247 – Na prática, o que o seu governo tem feito contra essa herança?
FLÁVIO DINO –
Uma medida importante envolve a transparência. No Maranhão, isso é até
mais importante do que em outros lugares. No governo passado, o Portal
da Transparência tinha um filtro que só liberava 40% dos dados. Criamos
uma Secretaria da Transparência, fizemos uma Lei Estadual aprovada pela
Assembléia e hoje o cidadão pode acessar tudo.
247 – Tudo?
DINO – Tudo. Também cortamos gastos suntuosos. Eu, por exemplo, não viajo de avião particular, mas em voos comerciais.
247 – Essa medida é importante, sem dúvida, mas costuma ter um valor mais simbólico do que efetivo.
DINO – As
despesas com aluguel de aviões e helicópteros chegavam a R$ 15 milhões
por ano. Não é pouca coisa. Também cortamos terceirizações, que
comprometiam grande parte das despesas do Estado. A administração da
penitenciária de Pedrinhas (alvo de diversos escândalos recentes)
custava R$ 10 milhões por ano. Cortamos. O Detran também era
terceirizado, custando mais de dez milhões de reais por ano.
247 – Ao tomar posse com tantas perspectivas de mudança, não havia o risco de paralisar o Estado?
DINO – Nosso
primeiro cuidado foi evitar um apagão. Recebemos um estado com uma
dívida de R$1 bilhão e apenas R$ 24 milhões em caixa. Tivemos que
reescalonar tudo. Estávamos preocupados com o risco de sabotagem e
boicote, o que sofri, apesar de tudo. Precisamos até aprovar uma lei
definindo um padrão de transição republicana. Contratamos auditores,
para elevar os controles do Estado. Além disso, temos tomado algumas
medidas emergenciais. Nosso foco principal foi Educação: contratamos 1
000 professores e fizemos promoções na carreira, que estavam represadas
há muito tempo. Demos um aumento de 15% nos salários e decidimos começar
um programa de campanha, a Escola Digna. São escolas municipais, de
taipa, palha e barro, que serão reformadas com ajuda do governo
estadual. Mas também fizemos um investimento em segurança, para
contratar mais 1 000 policiais, através de um concurso que está na fase
final. Estamos começando a investir nos 35 municípios de IDH mais baixo
do Estado, no ensino profissionalizante. No fim do ano, pagaremos o
Bolsa Família-Escola, que será uma espécie do 13º do Bolsa Família.
247 – Como se poderia definir os rumos do governo?
DINO – Estamos redirecionando gastos. Nossa grande obra será a qualificação do serviço público.
247 – Como o senhor está fazendo isso?
DINO – Em
grande parte, estamos tirando recursos de um custeio que não fazia
sentido, como aqueles casos que mencionei, para investir na melhoria do
serviço público. Também é custeio, mas na direção acertada. Essa é a
resposta para um problema que, de uma forma ou de outra, aparece no país
inteiro, mas que talvez seja mais agudo no Maranhão. Estamos falando
daquilo que o (prefeito de São Paulo Fernando ) Haddad chamou do
universo que fica da porta da rua para fora. Dentro de casa, a vida
dos brasileiros melhorou muito. Mas do lado de fora, quase nada
funciona. Você não universaliza direitos apenas construindo prédios,
comprando equipamentos. Precisa de gente que saiba fazer seu serviço,
que não sacrifique a população, como sempre acontece.
247 – Esse visão não é o muito comum nos manuais de administração pública…
DINO – Estamos fazendo, explicitamente, uma política heterodoxa.
247 – Por que?
DINO – A
visão convencional diz que você não pode tirar recursos do investimento
para o custeio. E nós estamos fazendo isso. Queremos criar condições
para atender a demanda da população. Se queremos bons professores, temos
de ter bons salários. Além de redirecionar gastos, vamos atingir um
pouco os investimentos, para garantir essa melhora no serviço público.
247 – Qual é a equação?
DINO – Nosso
orçamento tem uma previsão de aproximadamente R$ 300 milhões em recursos
próprios para investimentos. Creio que vamos fazer a metade disso para
poder direcionar mais dinheiro para outras prioridades. Tem uma lógica
política aí, pois vamos atender a maioria da população. Por outro lado,
também podemos obter recursos, inclusive empréstimos externos, que podem compensar esse redirecionamento.
247 – No plano federal, como o senhor avalia as denúncias da Operação Lava Jato?
DINO – Nesse
ponto, vivemos um paradoxo. O ministério público e de certa maneira o
Supremo Tribunal Federal só conquistaram uma situação de independência
no governo Lula e no governo Dilma. Foram os dois que fizeram indicações
e tiveram uma preocupação correta, que permitiu a realização de todas
as grandes investigações. Antes disso, nada era investigado, tudo era
engavetado e arquivado. Era o tempo do (Geraldo) Brindeiro. Mas isso não
é percebido pela população, o que deixa o governo em situação de refém e
mesmo de vítima de processo que ele mesmo criou. Eu acho que houve aí uma
falha de comunicação. A independência institucional do Brasil não
chegou de disco-voador nem é obra de um grupo de iluminados. É uma
construção histórica, na qual os méritos cabem aos partidos de esquerda,
que desde a Constituinte se mobilizaram nessa direção, embora isso não
seja reconhecido.
247 – E o ajuste econômico do governo federal?
DINO – Grande
parte da deterioração da situação política vem do distanciamento da
base social que se mobilizou no segundo turno. Se era para fazer um
ajuste fiscal, seria preciso acrescentar outros ingredientes, como
imposto sobre grandes fortunas, a taxação progressiva das heranças, sem
falar no setor financeiro, que continua com ganhos estratosféricos.
Essas medidas não só fariam um ajuste melhor e mais consistente, do
ponto de vista econômico, mas também dariam uma resposta política para a
base do governo. A falta
dessas medidas acabou corroendo o apoio político. O ajuste ficou
desbalanceado, gerando uma situação mal resolvida junto as pessoas que
votaram na Dilma.
247 – Como o senhor analisa o conjunto da economia?
DINO – Estou
preocupado com a dose do ajuste. Ao levantar os juros, o governo está
aplicando um receituário clássico para debelar a inflação. Uma recessão é
terrível na Europa. Mas é muito mais do que terrível no Brasil. Na
Europa, nos Estados Unidos, existem instituições que permitem a
sociedade suportar uma recessão, ao menos por algum tempo — e nós
estamos vendo na Grécia, na Espanha, até esse prazo está se esgotando.
Mas no Brasil, país com carências muito grandes, será sempre muito pior.
Então é preciso ter cuidado.
247 – Qual é o debate?
DINO – Existe
um debate histórico, que todos conhecem, sobre política econômica. Uns
perguntam o que é pior: conviver com inflação alta ou com desemprego
alto? Sou da opinião de que, no Brasil, uma pequena inflação é mais
suportável do que o desemprego alto. Mas tenho receio de que se crie uma
visão hegemônica de que a inflação é o mal maior e que nós podemos
conviver com uma recessão como se estivéssemos na Europa. Isso pode
levar a uma depreciação muito grande da sustentação do governo. Nós
vivemos uma situação de crise internacional, que já se reflete no Brasil
e no meu Estado também. Uma das maiores empresas instaladas no
Maranhão, a Alcoa, está desativando sua terceira e última linha de
produção do alumínio. Não está fazendo isso em função de algum problema
brasileiro. É um sinal do impacto da crise global, que não permite
sustentar esse investimento em nosso país. O problema é que se no Brasil
não tiver uma atividade interna para compensar essas perdas que vem de
fora, poderemos avançar rapidamente para uma situação muito grave.
247 – O que está acontecendo no plano interno?
DINO – Nos
últimos meses, mudaram os fluxos de pagamento do Minha Casa, Minha Vida,
e isso está levando empresários a suspender investimentos, ao menos em
meu Estado. Quem contratava 500 trabalhadores agora contrata 100.
Conversando com a presidente, ela me disse que é uma situação
conjuntural, que estará normalizada até junho. Mas não é apenas isso.
Vários governos estaduais — inclusive do Maranhão – tem tentado
operações de crédito em organismos internacionais, como o Banco Mundial,
que poderiam trazer investimentos ao país e garantir um certo nível de
atividade. Mas elas estão parados em Brasília. O Maranhão está dentro do
limite de endividamento, já tem um projeto aprovado, mas ele não é
liberado sem aval federal. Estamos falando de investimentos grandes,
importantes, mas que podem levar um ou dois anos para gerar os primeiros
frutos – quando forem aprovados. Estamos numa situação que tem saída?
Claro que tem. Mas precisamos compreender que o custo da governabilidade
será cada vez mais alto quando a popularidade estiver baixa – e
vice-versa. Por isso eu acredito que são três coisas que precisam ser
feitas. As medidas do ajuste precisam ser complementadas para não passar
a noção de que só um lado está pagando a conta. E explicar a atuação
contra a corrupção. E é preciso ser cauteloso com o risco de uma
recessão.
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