Ferrenho crítico do neoliberalismo e do governo dos Estados Unidos, o
presidente venezuelano, Hugo Chávez, morreu aos 58 anos nesta
terça-feira (5), vítima de um câncer na região pélvica, com o qual
convivia há um ano e meio. Desde que sua enfermidade foi diagnosticada,
em junho de 2011, Chávez passava longos períodos em Cuba, onde tratava a
doença.
O anúncio oficial da morte de Chávez foi feito por volta das 18h50
(horário de Brasília) desta terça-feira (5) pelo vice-presidente
venezuelano Nicolás Maduro. Por volta das 19h20, o comandante das Forças
Armadas da Venezuela convocou todas as forças disponíveis no país para
garantir a segurança de todos os cidadãos venezuelanos e o cumprimento
da Constituição do país.
Antes de viajar à ilha pela última vez, em dezembro de 2012, Chávez fez
um pronunciamento na televisão venezuelana, no qual aludiu ao risco de
morte ou de complicações maiores. Na ocasião, ele também indicou o seu
sucessor, o vice-presidente e chanceler Nicolás Maduro.
No dia 18 de fevereiro,
Chávez voltou à Venezuela de forma de surpreendente
após dois meses em Cuba. "Chegamos de novo à Pátria venezuelana.
Obrigado Deus meu!! Obrigado povo amado!! Aqui continuaremos o
tratamento", escreveu na ocasião em seu perfil no Twitter.
Em outubro de 2012, Chávez havia sido reeleito presidente da Venezuela,
com 54% dos votos. Como faleceu antes de assumir o governo, o país
deverá passar por novas eleições. O ex-governante já deixou o seu recado
sobre o futuro do país. "Vocês todos têm de eleger Nicolás Maduro como
presidente. Peço isso de coração", afirmou, durante seu pronunciamento
na TV.
Foram mais de três décadas de vida política na Venezuela, que começou
quando ele se formou em ciências e artes militares na Academia Militar
da Venezuela, aos 21 anos.
Natural de Sabaneta, oeste da Venezuela, Chávez nasceu a 28 de julho de
1954. Ele era o segundo de seis filhos dos professores Hugo de los Reyes
Chávez e Elena Frías de Chávez. Sua infância e adolescência, vividas em
Sabaneta e Barinas, também no oeste do país, foram marcadas pelo gosto
por esportes e artes – o presidente chegou a escrever alguns contos e
obras de teatro.
Em 1975, ingressou na Academia Militar da Venezuela, e não demorou muito
para que se tornasse tenente-coronel, em 1990. Sua ideologia
esquerdista e a identificação com Simón Bolívar, um dos heróis da
independência da Venezuela, o levaram a fundar o Movimento Bolivariano
Revolucionário 200 (MBR200), que pregava a reforma do Exército e a
mudança da ordem constitucional vigente.
Em fevereiro de 1992, orquestrou um golpe de Estado contra o então
presidente Carlos Andrés Pérez, que estava envolvido em denúncias de
corrupção. A tentativa fracassou e Chávez foi levado à prisão, onde
permaneceu por dois anos. Já em 1997, ele fundou o Movimento Quinta
República (MVR), agremiação pela qual venceu as eleições presidenciais
do ano seguinte, com 56,5% dos votos.
Assim que tomou posse, em 1999, Chávez dissolveu o Congresso e convocou
um referendo para a instauração de uma Assembleia Nacional
Constituinte. Das 131 cadeiras, 120 pertenciam a aliados do então
presidente. A nova Carta, aprovada por 71,21% dos eleitores, mudou o
nome do país para República Bolivariana da Venezuela, outorgou maiores
poderes ao Executivo, extinguiu o Senado – o Parlamento virou unicameral
– e aumentou os direitos culturais e linguísticos dos povos indígenas.
Novas eleições presidenciais foram realizadas em 2000, e Chávez foi
reeleito com 59,7% dos votos.
Em 2002, o país passou por uma grave crise política depois que Chávez
demitiu gestores da PDVSA – a petrolífera estatal venezuelana, que
controla 95% da produção nacional – e substitui-los por gente de sua
confiança. Opositores organizaram um golpe de Estado em abril do mesmo
ano, que foi seguido de um contragolpe dois dias depois, já que forças
leais a Chávez perceberam o clamor popular do líder. Com duração de 47
horas, este foi o golpe de Estado mais rápido da história.
Um referendo sobre a permanência de Chávez no poder foi realizado em
agosto de 2004, e 58,25% dos votantes se mostraram favoráveis ao
presidente. Em 2006, ele foi reeleito para um segundo mandato de seis
anos. Mais uma vez, ele governou com grande apoio no Congresso, já que a
oposição havia boicotado as eleições legislativas de 2005.
O primeiro revés veio no final de 2007, quando a população, após um
plebiscito, negou uma reforma à Constituição. Em 2008, a oposição ganhou
a prefeitura das duas maiores cidades do país, Caracas e Maracaibo,
além de cinco Estados economicamente importantes (Zulia, Carabobo,
Miranda, Táchira e Nueva Esparta).
Os revezes seriam em parte compensados em 2009, quando Chávez conseguiu
a aprovação da reeleição ilimitada em um referendo no qual 54% dos
votos foram favoráveis à proposta. Em 2012, ele disputou o pleito
presidencial pela quarta vez e foi reeleito, mas não chegou a assumir o
governo.
Aliados e inimigos
No campo da política externa, Chávez não escondia seu apreço por
governantes como o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e
os cubanos Raúl e Fidel Castro, todos combatentes da diplomacia dos EUA.
Por outro lado, era feroz crítico do governo da vizinha Colômbia,
aliada dos EUA na América do Sul, e se desentendeu várias vezes com o
ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2002-2010).
Ainda no âmbito regional, Chávez era o principal defensor da Alba
(Aliança Bolivariana para as Américas), bloco de cooperação regional
fundado em 2004 em oposição à Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), proposta impulsionada pelos EUA desde a década de 90, mas que
nunca foi criada.
Em 2009, o presidente expulsou do país o embaixador de Israel, em
represália à intervenção militar israelense na faixa de Gaza, em janeiro
do mesmo ano. Por outro lado, era próximo do iraniano Mahmoud
Ahmadinejad e dos ex-ditadores iraquiano Saddam Hussein (1937-2006) e
Muammar Gaddafi (1942-2011). Também defendia o ditador sírio, Bashar al
Assad, o que causava controvérsias, já que o regime árabe é acusado de
promover uma violenta repressão à revolta popular que atinge o país.
Política interna
Enquanto presidente, Chávez trabalhou para diminuição da pobreza em seu
país. Em 2003, ele implementou as "Misiones Bolivarianas", programas
sociais voltados à população carente. Existem 26 missões – as mais
conhecidas são a "Misión Robinson", que promove a alfabetização em
regiões pobres, e a "Misión Barrio Adentro", que leva assistência médica
a estas zonas.
Tais políticas contribuíram para a melhora na condição de vida dos
venezuelanos. Segundo pesquisa do Instituto Datos, a renda da classe
"E", a mais pobre do país e que concentra 15,1 milhões de pessoas (58%
da população), aumentou 53% entre 2003 e 2004.
Antes, em 2001, ele havia baixado um decreto-lei conhecido como Lei dos
Hidrocarbonetos, que fixou em 51% a participação do Estado no setor
petrolífero – a Venezuela é o oitavo maior exportador mundial de
petróleo, que representa 80% das exportações do país -- aumentou o preço
dos royalties pagos por empresas estrangeiras pela exploração do
líquido. A Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, do mesmo ano,
estabeleceu a expropriação de terras improdutivas acima de 5.000
hectares.
Em 2007, em mais um gesto contra os opositores ao seu governo, o
presidente decidiu não renovar a licença do canal de televisão aberta
Radio Caracas Televisión (RCTV), que desde então é obrigada a transmitir
via cabo.
Entre 2009 e 2010, o país sofreu uma grave crise energética após uma
seca provocada pelo fenômeno climático El Niño. A oposição culpou o
governo por não investir na área, e a população foi obrigada a fazer
racionamento.
O dilema energético venezuelano persiste, e se juntou ao problema no
sistema carcerário, explicitado após uma rebelião de mais de mil presos
na cadeia de El Rodeo, a 40 km de Caracas, em junho de 2011, que deixou
dezenas de mortos.
Herança familiar
Chávez deixa três filhas e um filho – três são fruto do casamento com
Nancy Colmenares e uma nasceu da união com a jornalista Marisabel
Rodríguez, de quem havia se separado em 2003. O ex-presidente ainda
manteve um caso amoroso de dez anos com a historiadora Herma Marksman,
enquanto estava com sua primeira mulher.
Fonte: UOL